terça-feira, 7 de julho de 2009

"O amor é fodido" - MEC



“Nascemos todos com vontade de amar. Ser amado é secundário. Prejudica o amor que muitas vezes o antecede. Um amor não pode pertencer a duas pessoas, por muito que o queiramos. Cada um tem o amor que tem, fora dele. É esse afastamento que nos magoa, que nos põe doidos, sempre à procura do eco que não vem. Os que vêm são bem-vindos, às vezes, mas não são os que queremos. Quando somos honestos, ou estamos apaixonados, é apenas um que se pretende.

Tenho a certeza que não se pode ter o que se ama. Ser amado não corresponde jamais ao amor que temos, porque não nos pertence. Por isso escrevemos romances - porque ninguém acredita neles, excepto quem os escreve.

Viver é outra coisa. Amar e ser amado distrai-nos irremediavelmente. O amor apouca-se e perde-se quando se dá aos dias e às pessoas. Traduz-se e deixa ser o que é. Só na solidão permanece...

O amor é fodido. Hei-de acreditar sempre nisto. Onde quer que haja amor, ele acabará, mais tarde ou mais cedo, por ser fodido (...)
E por que é que fodemos o amor? Porque não resistimos. É do mal que nos faz. Parece estar mesmo a pedir.
De resto, ninguém suporta viver num amor que não esteja pelo menos parcialmente fodido. Tem de haver escombros. Tem de haver progresso para pior e desejo de regresso a um tempo mais feliz.
E um amor só um bocado fodido pode ser a coisa mais bonita deste mundo."
[...]

"Precisava de fugir. era uma necessidade constante.
Se não fosse o amor, de que poderíamos escrever ou fugir?!
Eu escrevia-te mentiras que eram quase verdade: que queria fugir para dentro de ti, invadir-te com fúria de te ver ininterruptamente, de não conseguir impedir-me de ficar ali parado a olhar para ti.
Tu fazias pior. Ficavas calada e deixavas-te invadir. Atiravas os pulsos para as almofadas antes de eu poder fingir que tos ia prender. Mas era bom. Nota: era melhor assim. O amor é fodido.
Nunca sabemos se estamos a dar ou a receber. Os teus poemas também eram ricos. Trascrevo um de memória, para gáudio de quem nos estiver a ler: «A quem, a quem hei-de-me dar; eu que já soube o que dava e agora não sei mais nada? A quem hei-de dar a verdade que guardo tão mal, tal é o mal que ele me faz: dar-me vida e nada mais.»
Escrevemos coisas parvas, perguntas já previamente concebidas para obter respostas rápidas."


excertos de "O amor e fodido" - Miguel Esteves Cardoso

1 comentário:

Bee disse...

Também citei MEC no meu blog!! Mesmos trechos! Olha lá:

http://conteudo-liquido.blogspot.com/2009/04/o-amor-e-fodido.html

Bjo!